terça-feira, 13 de setembro de 2011

Eu, mileurista me confesso


Foi este o título que esta manhã captou a minha atenção enquanto assistia ao noticiário televisivo matinal ao mesmo tempo que tomava o indispensável pequeno-almoço. Logo fui assolado de múltiplas inquietações e não inferiores suposições sobre o que poderia ter um mileurista, leia-se "aquele que obtém um rendimento mensal de 1.000 euros", a confessar. A mileurista em questão era uma senhora que eu não conhecia, de nome Filipa Guimarães, que falava de um livro da qual era autora e que tinha sido acabado de publicar.

Misturando na sua expressão preocupada o seu quê de condescendente, polvilhado com uma segurança própria de quem sabia do que estava a falar, a Sra. Guimarães referiu que o seu livro se destina a desempregados, partilhando nele a sua própria experiência no campo da ausência de actividade profissional, ensinando como é possível sobreviver com... 1.000 euros por mês !

Com uma indignação de fazer inveja àquela senhora idosa que, ao assistir à novela das 21h, perde a compostura perante a perfídia do vilão que acabou de cometeu um acto da mais pura maldade, não contive uma interjeição, que por acaso ia descambando em tragédia já que, nesse preciso momento, parte do meu pequeno-almoço se encontrava em pleno percurso descendente, creio eu passando pelo esófago.

Não se detendo, a autora professou ali um verdadeiro espírito de cruzada em prol, segundo palavras da própria, dos desempregados que eram vistos pela sociedade como uma ave rara dentro de uma jaula "a que se deita os amendoins" embora sejam, segundo ela, "pessoas normais que não têm chifres". Queria ela que esta obra fosse uma luz de esperança que permitisse aos desempregados perceber que não estavam sozinhos e que nem tudo era triste e cinzento.


Não é que eu seja douto em termos de experiência de desemprego mas... não me sai da cabeça esta ideia de que um desempregado, ciente que 12% de desempregados equivale a mais de 1 milhão de "colegas", se sinta sozinho nesse estatuto. Poderá estar deprimido e amargurado? Sim, claro! A não ser que pertença àquela franja da população que se sente como peixe na água estando no desemprego. Por outro lado tenho de questionar: Amendoins, Sra Guimarães? Não é que uma oferta seja de desdenhar mas tenho para mim que muitos ficariam muito mais agradecidos perante a oferta de uns quantos pratos de sopa, que por acaso até é mais nutritiva e mais saudável que qualquer pacote de alcagoitas.

Quanto ao objectivo prometido no título, o de ensinar a ser mileurista, ele torna de facto a obra extremamente atractiva. Tenho a certeza de que a grande maioria dos desempregados acolherá com agrado a perspectiva de poder aprender a viver com 1.000 euros por mês. Infelizmente, é precisamente daí que deriva aquele que é, para mim, o verdadeiro calcanhar de Aquiles da obra, já que esta peca logo à partida por não incluir material didáctico, que tanto poderia ser em em espécie ou em cheque. Esta lacuna pedagógica torna sem dúvida mais difícil a aprendizagem do público-alvo que, num país onde há mais de 1 milhão de desempregados, recebe em média apenas 497 euros de subsídio de desemprego por mês (e onde, já agora, o salário médio está cifrado em menos de 800 euros).

Que fazer portanto? Publicar uma versão light? Dividir a obra em dois volumes, sendo a primeira intitulada "Eu quatrocentosenoventaesetista me confesso" e a segunda "Novas confissões de um quatrocentosenoventaesetista", incluindo uma pequena separata grátis intitulada "Mais 6 euros de confissão"? As possibilidades brotam como cogumelos no meu espírito, apesar de um certo desconforto latente derivado do facto de, também eu, ter visto despertar em mim esta ambição de saber como será ter de sobreviver com 1.000 euros por mês...

Mas chega de dislates. Há que dar a palavra a quem conhece por dentro o drama de se ser desempregado com 1.000 euros:

4 comentários:

  1. hehehehehe... realmente há quem viva num mundo à parte...

    É o que tu dizes, grande parte da população em Portugal ganham metade do que ela ganha e ainda se dedica a falar em sobrevivência?!

    "Ai a menina gostava de ir jantar fora, Opera e ao Balé..." temos pena... deixar disso no máximo é fazer sacrifícios.. não é sobreviver...

    Acho que um livro teria grande sucesso se fosse algo "Eu com o ordenado mínimo e o meu vizinho com o RSI, descubra as diferenças"... algo desse género até eu gostava de comprar...

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  2. Ele há com cada uma... vai daí e pego na ideia para lançar o "Eu, emissor de recibos verdes, me confesso". Não estou bem a ver qual a dificuldade de "sobreviver", fazendo uso das palavras sábias da autora, com 1000€, se eu me desenrasco com metade. Certo que não pago renda e não tenho créditos, mas com menos que isso já paguei renda e ao final do mês sobrava sempre qualquer coisa.

    Tudo se resume a isto, em época de crise há que não ter mais olhos que barriga. Problema é que o povo português, boa parte dele, está com o estômago dilatado por repastos do tempo das vacas gordas, e agora comer pouco é de um esforço hercúleo que não há.

    Grande post Caetano!

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  3. Roque, Conquistador, não há pior degradação do que ter de "aniquilar" as idas ao CCB e, pior que tudo, à 24 de julho. Enfim...

    Esta lembra-me aquela história que se conta acerca da rainha de França que, perante a revolta do povo que não tinha pão para comer exclamou -"Mas se não têm pão, porque é que não comem brioches?".

    Por outro lado, eu interrogava-me sobre como é que esta ave rara (esta sim, embora os amendoins que se lhe devam atirar sejam certamente daqueles amendoins torrados com mel) tinha conseguido tempo de antena para apresentar esta aberração, uma vez que não tinha visto a peça desde o início.

    Afinal, o apresentador esclarece o porquê logo na introdução. Está visto.

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  4. Sim, trabalhou lá e deve ter puxado uns cordéis :)

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